sexta-feira, 29 de julho de 2011

Ilmo. escritor de recados


Até o nome de batismo é de redator de grandes obras. Tem cara de escritor, pinta de escritor, 50 amigos escritores, lê os melhores do mundo. Bom de rima, nunca escreveu um livro. Conforme palavras dele mesmo, “um dia ainda me livro disso” (isso quer dizer “frustração”).

Particularmente integrado aos escritos de famosos Josés das letras (de Alencar, Saramago, Lins do Rego, Sarney, do Patrocínio), ele precisava sufocar o trauma. Escrever qualquer besteira. O lançamento, de preferência, no Paço Municipal. Zé Abafante carecia tornar-se autor. Havia urgência.

Pois era o mês de março e a melhor data de lançamento do livro (de contos, crônicas, poesias ou de fuleiragens) era no exato dia em que completasse 70 invernos. Mas, com o que brindaria seus leitores não-sabidos? Chegou a cogitar mudar o título e dizer que era dele O Alquimista.

- Não, pode ser que alguém na academia já tenha lido.

A solução veio ao lembrar-se dos tempos em que era pobre. Zé comprava fiado na bodega de dona Socorro Gaitada; anotava os pedidos na caderneta e pedia a um menino fosse lá buscar as mercadorias. Tinha, guardadas num baú, 12 cadernetas velhas, todas com a anotação “pg. total”. Dali tiraria seu livro.

Uma publicação de temas (pedidos) expostos aleatoriamente; no mesmo diapasão, as observações da bodegueira. Textículos poêmicos que Abafante estima tenham sido escritos há 55 anos. Exemplo: “Dona Socorro querida/ Da banha dum porco baé/ Mêi quilo fiado mande / Porque dinheiro tem é Zé/ Não se abra, não dê gaitada/ Eu pago quando puder”. A resposta da comerciante: “Prezado cliente Abafante/ De nome próprio José/ De porco não tenho banha/ Nem pra vender uma cuié/ Mas tenho uma arroba de osso/ Pra meter nesse seu carrité...”

Tarcísio Matos
Colunista O Povo

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