quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O panorama xilográfico de Almeidinha

Xilogravura para o Teatro Rosa Moraes

PANORAMA XILOGRÁFICO 

Um amigo tinha-me dito, como um aviso, que ele era assim como um duende do bosque, uma pessoa cheia de magia... lhe recebe com um sorriso e com um sorriso se despede... um artista, Francisco de Almeida, jovial, que difunde alegria e que, como um alquimista moderno, mistura os pigmentos, cria as suas cores, colocando para fora o que tem dentro... enigmas, certezas, sonhos e medos. Desenrola informações e detalhes sobre sua obra com a mesma facilidade com que desenrola um grande painel no qual está trabalhando agora... 

Doze metros de papel no qual surgem Nossas Senhoras rodeadas de velas, girassóis e anjinhos, quase altares suspensos no ar, índios atléticos – irônico retrato de si próprio - mulheres suaves e sinuosas, um pouco guerreiras um pouco deusas, e os costumeiros símbolos espalhados aqui e ali... cruzes, estrelas, chamas, peixes. Fundo negro e manchas de cores diversas, um dragão vermelho, os mandacarus verdes com centenas de espinhos brancos, até mesmo uma homenagem especial a um "artista de rua" - como ele o define - um amigo conterrâneo que já se foi, inventor criativo de uma realidade inexistente que não fazia mal a ninguém, um doutor imaginário, que divertia, com suas estórias, a cidade toda, e que agora deixou um vazio. 

O painel vai ornamentar o palco do Teatro de Crateús, cidade do Ceará onde Francisco de Almeida nasceu. E, para comemorar o centenário de fundação da cidade, como não voltar-se ao seu artista e filho ilustre? Partiu de lá, quando tinha 15 anos, para conhecer o "mundo". Chega em Fortaleza só, sem nada, trabalha como desenhista técnico em estúdios de arquitetura e depois um curso de pintura e um de xilogravura no Museu de Arte da UFC, com Sebastião de Paula, mudam-lhe a vida. Agora faz 17 anos que faz xilogravura... para ele é uma aventura, gosta de experimentar, inovar, mudar estilo, inventar instrumentos de trabalho... Faz tudo, mas tudo mesmo, à mão, a prensa arruinaria as matrizes e os papéis... Imprime as tintas sentado sobre o papel, pernas abertas e uma simples colher de pau de cozinha na mão e ali, com grande paciência, centímetro por centímetro, cria delicadamente obras de arte... Os desafios, percebemos, não o assustam, e por isso sempre preferiu grandes superfícies, macro xilogravuras em branco e preto que propõem um universo dentro da sua cabeça... ícones e temáticas religiosas principalmente - de todas as religiões misturadas entre si, entenda-se bem - rodeado no seu quartinho-oficina de estatuetas de Iemanjá, São Francisco, Nossa Senhora de Fátima, São Jorge e São Sebastião, luzes divinas que o protegem e o inspiram. 

O pai era ourives e é por isso que os seus personagens são ricamente adornados de pingentes, tornozeleiras, braceletes, colares, brincos, correntes, coroas de ouro e prata... evocações da oficina paterna onde o pequeno Francisco brincava. A mãe era costureira e bordadeira, atividade que deixou sugestões de fios, bordas e arabescos, sempre presentes na sua obra. O resto é tudo fruto da sua fantasia, sereias, seres alados, reis e rainhas, criaturas mitológicas. 

Agora dedica-se principalmente a painéis de grandes dimensões, panoramas xilográficos que necessitam de grandes espaços para serem vistos... é um modo de utilizar as matrizes de forma mais criativa, misturando-as entre si, decompondo-as, eliminando elementos ou exaltando outros... obras onde a intervenção do autor é ainda mais forte... um trabalho de composição manual, muito mais que uma simples xilogravura... aproxima, sobrepõe, inverte, num jogo de cobre/descobre, insere imagens fotográficas com um sistema similar àquele dos decalques, insere sinais gráficos como um grafiteiro... 

O sistema de enrolar as folhas de papel em duas bobinas que correm ao longo da mesa sobre correntes de bicicleta - foi inventado por ele, assim como a ferramenta-colher (uma colher com um longo bastão) usado para imprimir a cor, inventou também moldes de plástico para posicionar como pontos de referência durante a fase de composição e, para proteger o papel, durante a impressão da cor, pensou numa folha de plástico transparente... Tudo rudimentar, simples, econômico para um resultado majestoso, preciso... meses e meses de trabalho para realizar um painel de 20 metros de comprimento por 1,5 m de altura com o título "Os Quatro Elementos I - O Dia e a Noite", apresentado na VII Bienal de Artes Visuais do Mercosul - Porto Alegre (Rio Grande do Sul). Obra que pode ser considerada, para quem for apaixonado pelo Guinness dos recordes, a maior xilogravura do mundo. 

Tantas exposições coletivas e individuais, salões de arte - inclusive no exterior - que ele tem participado, tem obras expostas na Pinacoteca de São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Fortaleza, tantos prêmios recebidos, o mais recente da XVI Unifor Plástica que lhe permitirá visitar a próxima Bienal de Veneza... 

Na minha bola de cristal prevejo um encontro brilhante entre a cidade, mágica e lunar, e o artista, cheio de alma e luz. 

Anna Caramagno
(Texto original em italiano, tradução de Pedro Humberto)

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