terça-feira, 3 de abril de 2012

Pílulas do Grande Sertão

Coração de gente — o escuro, escuros.

Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade. 

Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.

No sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço! 

Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou — amigo — é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é. 

O amor? Pássaro que põe ovos de ferro. 

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas. 

A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.

O diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! 

O diabo na rua, no meio do redemunho.

O Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-sei-que-diga, O-que-nunca-se-ri, o Sem-Gracejos... Pois, não existe! E se não existe, como é que se pode se contratar pacto com ele?

Quem muito se evita, se convive. 

Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado. 

O que lembro, tenho. 

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende. 

Quem mói no asp'ro não fantaseia. 

Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente. 

Vingar... é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais. 

Quem sabe do orgulho, quem sabe da loucura alheia?

Ser chefe — por fora um pouquinho amargo; mas, por dentro, é risonhas flores.

Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.

Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.

Toda saudade é uma espécie de velhice.

Riu de me dar nojo. Mas nojo medo é, é não?

Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor. 

Tudo é e não é. 

Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.

Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! 

O sertão é do tamanho do mundo. 

Sertão é dentro da gente. 

O sertão é sem lugar. 

O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa. 

O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena. 

O sertão é uma espera enorme. 

Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.

A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. 

A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver. 

Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.

Viver — não é? — é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo.

Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...

Feito flecha, feito fogo, feito faca.

Vi: o que guerreia é o bicho, não é o homem.

Até que, um dia, eu estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada. Alegria me espertou, um pressentimento. Quando eu olhei, vinha vindo uma moça. Otacília. // Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo. Afirmo ao senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável carinho, adianto de amor.

Guimarães Rosa

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