quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Promessa


Jasmira, que morava na casa pintada com bolinhas cor-de-rosa. Andava somente a pé. Varava grotões, trilhas, socavões, matas e chegava antes que os motorizados nas cidades vizinhas. Tinha partes com marcianos, diziam. E cada passo era maior que uma légua. Rápida, forte, seca como vara de marmelo. Colorida, porque amava os mimos da beleza e o brilho em si. E perfumada, com um toque de "Madeira do Oriente".

Era querida na vila. As crianças lhe davam adeuses. Sabia o nome de todos, brincava com todos. Lavava dezenas de trouxas de roupas e derriçava o café. Simpática, por ser. Por nascença. Mas com um porrete na mão. Não lhe humilhassem. Nenhum rico se metesse à besta.

Devota de Nossa Senhora Aparecida. Mas não encontrava na igreja católica um jeito de pagar uma promessa que fizera. Dizia: - Tem que ser de um jeito que todo mundo saiba que eu paguei a promessa à minha pretinha santa.

E o tempo escorria. Um dia, apareceu no povoado um parque mambembe. Cavalinhos, roda-gigante, Atená, a Gorila, jogo-de-argolas, tiro-ao-alvo. E um palco para o mágico e os músicos.

A vila se encheu de gente. Parques mambembes eram tudo de bom. E, no alto-falante se anunciava: uma rumba com uma deusa da beleza africana. O povaréu se espremeu para ver, no palanque iluminado, a tal entidade do Sublime.

E, no palco, aparece Jasmira, vestida a rigor, num biquíni cheio de babados coloridos, grandes argolas nas orelhas, colares de todo tipo, pulseiras, e um forte batom vermelho. No lado da cabeça, uma flor de pano.

O povo delirou, gritavam Jasmira, Jasmira, que iniciou sua dança. Muito magra, e musculosa, não conseguia ser graciosa, movimentos duros, um rebolado que não torneava, não criava ondas, apenas seus longos braços se agitavam para o ar.

Eu assistia perplexo, enquanto o povo mergulhava em todo tipo de chiste e riso. Acabada a música, Jasmira falou ao microfone: Essa dança eu dedico à minha santinha preta, Nossa Senhora d´Aparecida, que me curou de uma doença. É para ela que estou dançando, obrigada!

Desceu do palco pela escada em que me encontrava, perto. - Tuninho, me disse ela na contraluz dos holofotes, suas jóias baratas e coloridas resplandecendo com a forte lâmpada, gotas de suor repartindo estrelinhas pelo seu corpo, Tuninho, você acha que a santinha gostou? Eu queria que todos soubessem...

Jogou uma capa azulada sobre o corpo, pegou o cajado, esquecido debaixo do palco, e sumiu na noite, pelo lado vazio da praça, onde não havia ninguém, magnetizada, leve e rápida. Provavelmente, sob a proteção de sua santa, iguais na cor e no manto.

José Antônio Abreu de Oliveira

Fonte: http://www.releituras.com/ne_jaoliveira_promessa.asp

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