quarta-feira, 3 de abril de 2013

Deu na Gazeta do Centro-Oeste: "Violência em Crateús"


Violência em Crateús: quem se importa?! 

Tá lá o corpo estendido no chão! 14 furadas! Mas tudo bem, era só um morador de rua, elemento sem identificação, não contribuía para a sociedade. Na certa um bêbado ou drogado, ou os dois. Não vê como ele está vestido? Sinta como fede... 

E o bom cidadão passa, olha, nem pensa, o trabalho o chama. A cidadã – religiosa que é – se benze, junta os filhos ao redor da saia e agradece poder usar aquele ser como exemplo: "viu no que dá não querer estudar!" 

Quem é do bem, quem produz, aquele que segue as leis, homem íntegro e bom pai – esse pode estar tranquilo: nada lhe acometerá! Ao justo, deus dá abrigo e proteção. 

Um fuminho aqui, um pozinho ali, um crackzinho acolá não há de roubar o sono ao homem de boa vontade. São recreações! Ademais, só tem vício quem pode mantê-lo. 

Sim, e não me venha falar de roubos, furtos, assaltos, pequenos arranca-rabos entre homem e mulher, uma ou outra estocadazinha de leve de um adolescente em outro, esse ou aquele acidentizinho de trânsito – isso, meu senhor, isso lá é violência! No máximo, pequenas infrações à lei. Aperta-se o infrator, aplica-se nele uns bons cocorotes e – tantantantantã! – está resolvido o problema. 

Violência é morte matada. E essa, benza deus!, quase não vemos por aqui. E quando vemos, tai o exemplo: atinge sempre alguém que procura. 

Se vossa mincê não sabe, vou lhe contar: a polícia está nas ruas! O ronda não para. A guarda municipal tudo vê. A civil está atenta. A presença é ostensiva, a repressão é certa. Aquele que ousar flertar com a marginalidade já sabe: é cana! 

E a prevenção? – pergunto eu, me pelando de medo. Sendo eu apenas um menino sem eira nem beira, morador dessas nossas periferias rejeitadas, sem um real furado pra comprar meia bolacha, quem me salvará dos apelos do consumo? Sendo eu esse adolescente cheio de testosterona, doido pra passar nos peitos aquela e aquela e aquela outra (para as quais eu, naturalmente, tenho que estar com uma calça de marca, uma camisa de marca, um tênis de marca, uma sunga de marca, todo de marca), quem me fechará os olhos às vitrines repletas de coisas inalcançáveis pra mim? Sendo eu esse quase homem de poucas letras e de ofício mambembe, na certa pai de bem uns três, de trabalho medíocre, de sorte medíocre, de futuro medíocre, quem me resgatará dos pensamentos ruins?... Velho, talvez a morte me encontre numa beira de rua e me enfie 14 facadas. E eu, finalmente, morra indigente e ganhe quatro linhas toscas no jornal do dia. 

Opa! Peraí! Pra ser sincero eu tenho nome, fui batizado: Paulo Florêncio da Silva, essa era minha graça. Agricultor, solteiro, morador da fazenda Tetéu, em Crateús, Ceará. Filho amado de Antonio Florêncio de Oliveira e Maria Madalena da Silva. Morto no dia 17 de março de 2013, na rua Delmiro Gouveia, bairro São José. Era madrugada alta e ninguém viu, não se sabe a autoria. Eu tinha apenas 49 anos de idade. 

P.S.: Era de pele morena, vejam só! 

Lourival Veras

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