sábado, 3 de julho de 2010

Francisco e a gravura esfacelada

As caras andrógenas, os anjos caídos e as frases que soam como gemidos inexprimíveis, espalhadas como que a esmo na obra de nosso pequeno-grande gênio da xilogravura, Francisco de Almeida, levarão seus espantos para a capital mineira. Graças a um prêmio da Funarte

A exposição intitulada "20 aos pedaços", composta pelo badaladíssimo painel de 20 metros de comprimento, batizado "Os quatro elementos", acompanhada de outras 20 pequenas obras da mesma safra, acaba de receber o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2010 - Ocupação de Espaços.

E não é de hoje que esse trabalho de Almeida vem causando rebuliço no mundo das artes. No final do ano passado, "20 aos Pedaços" foi um dos destaques da VII Bienal do Mercosul, realizada em Porto Alegre (RS). Na sequência, premiado pelo 1º Edital de Incentivo às Artes para Pessoas com Deficiência, da Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Ceará, o trabalho foi selecionado e está exposto no Espaço Cultural da Unifor até agosto.

"Minha pesquisa consiste em construir a obra através da combinação de diversas matrizes. Agora, o que estou fazendo é o trabalho de desconstrução. As 20 pequenas obras são filhas da obra maior. Mas o interessante de tudo isso é a impossibilidade de repetição. Você não faz uma obra igual a outra. Elas têm as mesmas características, mas outros aspectos. A pesquisa está se ramificando", conta Francisco.

Do montante de R$ 810 mil destinado pelo Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2010 - Ocupação de Espaços, a xilogravura cearense foi contemplada com cerca de R$ 60 mil. Com a escolha, Francisco de Almeida estará ao lado de artistas, coletivos ou empresas de natureza cultural, em exposições gratuitas por Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, apenas quinze projetos foram contemplados com prêmio. A artista plástica cearense Milena Travassos, que mora no Rio de Janeiro, também classificou o trabalho "Sala de jejum".

"A xilogravura nos permite uma imensidão de formas. Faço a inversão da inversão, porque na xilo as imagens já são naturalmente contrárias", ressalta o artista. "E o resultado é muito grande, porque essa pesquisa não se esgota nunca. Tornam-se gravuras esfaceladas, diferentes da xilo tradicional, sempre com a mesma imagem".

Entre as proposições do Ministério da Cultura com a seleção dessas obras de arte estão a promoção da reflexão, a produção artística e o intercâmbio entre artistas visuais. A meta da Fundação Nacional das Artes é fomentar a multiplicidade, com variadas manifestações.

Além da obra de 20 metros de comprimento e das 20 peças compostas em fundo negro, expostas como em um varal, Belo Horizonte terá acesso, também, a outras duas mostras de Francisco. Os visitantes poderão conhecer as ferramentas usadas para cavar sulcos na madeira, como as goivas, o rolamento de bicicleta adaptado para prender o longo tecido trabalhado, entre outras criações "genuinamente cearenses", além de vasto acervo pessoal.

"Trabalho de forma rudimentar e artesanal, e isso incentiva muito a criatividade. Uso martelo para gravar e uma colher para imprimir. É a necessidade do processo que incentiva ajustes de ferramentas não disponíveis no mercado".

Trajetória

Em sete de agosto próximo, Francisco de Almeida completará 48 anos. Nascido em Crateús, criado pela avó, portador de uma doença que afeta os nervos periféricos chamada Charcot-Marie-Tooth (CMT), e há muitos anos morando no Jardim América ao lado da eterna escudeira Maria Eugênia, os movimentos do corpo de Francisco, recentemente, mostraram alterações.

"Minha saúde... (risos) Ela não me pega. Sou um privilegiado porque sou um operário da gravura e ainda posso trabalhar muito. Minha perna que esses dias resolveu dificultar o movimento. Estou tendo que usar uma prótese, mas tenho muito trabalho a fazer, um tempo legal para viver. E estou feliz demais por conhecer Minas Gerais, lugar de onde saiu o grande Aleijadinho. Será uma experiência e tanto".

MAIS INFORMAÇÕES:
A exposição de Francisco de Almeida no Espaço Cultural da Unifor segue até 1º de agosto, de terça a sexta de 10h às 20h, sábados e domingos de 10h às 18h . Entrada franca.

Obras do artista também podem ser encontradas na Pinacoteca de São Paulo e no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar, em Fortaleza.

NATERCIA ROCHA
REPÓRTER (Diário do Nordeste)

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