domingo, 4 de julho de 2010

Roberto Piva


Morreu neste sábado (3), aos 72 anos, o poeta Roberto Piva. Famoso pelo livro "Paranoia", de 1963, ele estava internado desde maio no InCor (Instituto do Coração) e sofria de Mal de Parkinson há dez anos.

Durante a própria internação, foi descoberto um câncer na próstata, em metástase. A causa da morte foi falência múltipla de órgãos em decorrência de uma insuficiência renal.

A história pessoal do poeta Roberto Piva começa e gira em torno da cidade de São Paulo. Ele cresceu e formou-se entre a capital e as antigas fazendas do pai, no interior do Estado de São Paulo. Seus primeiros poemas foram publicados em 1961, quando tinha 23 anos. Nessa mesma época, integrou a famosa Antologia dos Novíssimos, de Massao Ohno, na qual se lançaram vários poetas brasileiros iniciantes, que depois desenvolveram uma obra poética de importância. Piva formou-se em sociologia. Sobreviveu em grande parte como professor de estudos sociais e história. Em suas aulas aos adolescentes do segundo grau, costumava trabalhar as matérias a partir de poemas que os fazia ler e interpretar. Foi um professor de muito sucesso, com rara vocação como pedagogo. Nos anos de 1970, tornou-se produtor de shows de rock. Piva morava em São Paulo, cidade que lhe parecia apocalíptica, exemplo do que não deve ser feito contra o meio ambiente, mas que forneceu todo o pano de fundo para sua obra poética. Tinha medo de avião. Por isso, raramente se distanciava demais da capital, de onde fogia sempre que podia, de ônibus ou carro, sobretudo para o litoral sul do estado de São Paulo, refugiando-se em casa de amigos na Ilha Comprida ou em pensões baratas de Iguape. Era lá que realizava seus rituais xamânicos e entrava em contato com seu animal xamânico, o gavião.

Poema de ninar pra mim e Bruegel

Eu te ouço rugir para os documentos e as multidões
denunciando tua agonia as enfermeiras
desarticuladas
A noite vibrava o rosto sobrenatural nos telhados
manchados
Tua boca engolia o azul
Teu equilíbrio se desprendia nas vozes das alucinantes
madrugadas
Nas boites onde comias pickles e lias Santo Anselmo
nas desertas ferrovias
nas fotografias inacessíveis
nos topos umedecidos dos edifícios
nas bebedeiras de xerez sobre os túmulos
As leguminosas lamentavam-se chocando-se contra o
vento
drogas davam movimentos demais aos olhos
Saltimbancos de Picasso conhecendo-te numa viela
maldita e os ruídos agachavam-se nos meus olhos
turbulentos resta dizer uma palavra sobre os roubos
enquanto os cardeais nos saturam de conselhos
bem-aventurados e a Virgem lava sua bunda imaculada
na pia batismal
Rangem os dentes da memória
segredos públicos pulverizam-se em algum ponto da
América peixes entravados se sentam contra a noite
O parque Shangai é conquistado pela lua
adolescentes beijam-se no trem-fantasma
sargentos se arredondam no palácio dos espelhos
Eu percorro todas as barracas
atropelando anjos da morte chupando sorvete
os fios telegráficos simplificam as enchentes e as secas
os telefones anunciam a dissolução de todas as coisas
a paisagem racha-se de encontro com as almas
o vento sul sopra contra a solidão das janelas e as
gaiolas de carne crua
Eu abro os braços para as cinzentas alamedas de
São Paulo
e como um escravo vou medindo a vacilante música
das flâmulas

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