terça-feira, 9 de março de 2010

De volta ao escurinho

Ah, o progresso, com tantas invenções! Engenhocas capazes de esticar membros, acelerar passos e fazer voar seres rastejantes. Por tal meio descobriu-se como, num clic, copiar imagens reais, através da fotografia, e como fosse pouco, gravar para a posteridade ou divertimento a realidade ou suas ficções metafóricas, pela descoberta do cinema.

Na esteira dessa dinâmica busca do milagre da criação, há aqueles que amaldiçoam o passado e negam o presente pelo culto ao futuro fantástico. Assim, a luz elétrica, que hoje chega ao mais longínquo casebre do sertão, ofusca os raios prateados do luar, e a humanidade, deslumbrada com tecnologias que facilitam sua vida, esquece de perceber o que havia de antigo e bom e que se perdeu.

Crateús, taxada por alguns como a terra do “já teve”, também toma a onda. O cinema, grande descoberta do século XIX, que em pouquíssimo tempo conquistou as massas do mundo inteiro, fascinou, encantou e emocionou multidões, chegou por essas bandas nos anos 1960 e aqui residiu com o nome de Cine Poty. Mas o mesmo ventre que pariu o cinema propiciou a viagem da imagem pelas ondas aéreas dando origem à televisão e, mais tarde, veio o vídeo k-7, e hoje o DVD. Nossa gente passou a ver um turbilhão de cenas mundiais jorrando do canto de suas salas e aqui o cinema da tela grande e do escurinho não resistiu à década de 1980.

Agora, no último ano da primeira década do novo milênio, exatamente no último dia do mês menor - fevereiro, cartazes, banners e cartinhas – estas não mais em papel, mas lidas na tela de um computador – anunciam um apocalipse às avessas, onde o que deixara de ser volta a existir e o Crateús do “já teve” vira a cidade que “volta a ter” o Cine Poty em pleno funcionamento, de novo em tela grande, de novo ao escurinho. O filme de reestréia foi “A marvada carne”, produzido ainda ao tempo do velho Poty, em 1985.

O novo Cine é um projeto da SABi – Sociedade Amigos da Biblioteca Municipal Norberto Ferreira Filho – junto ao programa Cine + Cultua do Minc – Ministério da Cultura – e terá duração, garantida até o presente, de dois anos, com exibições semanais de no mínimo uma seção, com filmes nacionais fornecidos pela Programadora Brasil.

Claro que, embora ao escurinho e em tela razoavelmente grande, o Cine Poty de que tratamos acontece agora em novo local e contexto histórico diverso do anterior. Seus realizadores, filmes e platéias também possuem semblantes distintos, alguns inclusive joviais e que sabem do antigo apenas pelo que ouvem contar. Mas lá serão vistos também alguns saudosos que darão testemunhos emocionados de lágrimas derramadas, de amores e venturas ao som e à penumbra das películas daqueles tempos, para quase diversão dos jovens de hoje, que reagem com graça a muitos dos costumes de seus ancestrais. E assim, dá-se o raro encontro de gerações; os expectadores sentirão o calor humano do outro sentado ao lado; amigos poderão se reencontrar e papear sobre o filme ou sobre a vida; e na ida e volta contemplar os cenários reais de nossas ruas, em contraste com as cenas da tela.

Por tudo isso, reinventar o cinema em Crateús representa ganho importante para o nosso povo, uma alternativa a mais na nossa agenda cultural e a possibilidade de refletir sobre o uso da imagem que faz a televisão, sua dramaturgia repetitiva, sensacionalista e descontextualizada, feita para gerar a dependência e a alienação.

Se à conquista do novo chamamos de progresso, a homenagem da SABi ao nosso extinto Cine Poty soa como resgate, uma referencia de respeito às memórias e aos feitos do nosso povo, um convite a relembrarmos o que fomos e o que fizemos para estimarmos o quanto podemos fazer para além do centralismo da televisão sudestina, que abarrota diariamente nossos ouvidos e mentes de estrangeirismos e estereótipos.

(Por Elias de França)

Um comentário:

Carlos Henrique disse...

É, estamos evoluindo...
E o filme desse domingo
qual vai ser?