sábado, 12 de janeiro de 2013

Morbus, o grotesco


Alguma dúvida de que ele é um sujeito normal, ancorado firmemente em seu cotidiano monótono, abraçado à sua monótona mulher com a resignação de um Sísifo moderno? Alguma dúvida de que ele ri e bebe e fuma igual a todos os outros, que também lhe são iguais, e ama e faz sexo como se fosse ele um ser especial e superior, especialmente melhor do que seu próximo? Alguma dúvida de que ele sonha e faz planos, e os acumula todos na pasta do "amanhã", e sente-se feliz por não ser o mais infeliz de todos? E enche o peito a cada manhã e se magnífica com a vida! 

Ele paga suas contas. Ele ajuda velhinhas a atravessarem a rua. Ele mastiga de boca fechada. Ele em nada difere do que há de mais digno, puro e sincero em sua raça. Ele inclusive se vangloria de ser humilde. 

Principalmente, ele acha que gosto é um negócio muito particular. Cada um tem o seu. É uma coisa que não se pega, não se aprende, está a léguas de ser "um fenômeno social de primeira categoria", como dizia o centenário Gadamer. Então, esquecido de seu próprio argumento, ele esmera-se em esfregar seu gosto na vida dos outros, dizendo mesmo que o seu é melhor e superior. Talvez, quem sabe – pensa ele magnanimamente –, deixando o seu gosto à mostra, expondo-o aos quatro ventos, não influencie aos "sem gosto". Ele se acha tão bom! 

Daí, tome paredão! Haja reality show! Valha-me deus que é religião!... E todos absolutamente certos, é claro. Na verdade, ele não ver a hora de salvar o mundo e as pessoas do mundo dividindo com todos a sua sabedoria. 

Então, ele compra uma câmera fotográfica e arregala os olhos, doido por uma desgraçazinha básica, para postar na sua rede social. Depois, senta em frente ao monitor e espera ansioso e ofegante a admiração geral: oh! 

No escuro do seu quarto, quando chega o momento de contar os grãos bons e ruins de sua vida medíocre, ele calcula todos os dias quantos dias lhe restam no mundo, e secretamente torce para não ir sozinho, e sonha em ser o último a partir. Ou melhor, nunca partir. E, sem que ninguém se der conta disso, ele encara você toda manhã... no espelho. 

Ainda bem que tem futebol. 

Lourival Veras

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